Numa manhã a meio da semana, resolvo ir fazer um reconhecimento há muito adiado. Um trilho ao longo do Vale do Côa, que prometia ser bastante interessante, pelo menos da análise feita através de fotografia aérea. A intenção era analisar o seu potencial para uma actividade de macrofotografia outonal.

Numa curta viagem, ponho-me no local predefinido para começar a caminhada. Preparo a mochila com o equipamento fotográfico, anexo-lhe o pequeno tripé, coloco os binóculos ao pescoço e uma pequena máquina mirrorless a tiracolo. Dou uma olhada ao mapa para confirmar o itinerário e arranco em direcção ao rio. Inicialmente, o caminho acompanha alguns terrenos agrícolas e pastagens, mas logo abaixo chego à margem do Côa, ladeada por um galeria de amieiros. Vou acompanhando o curso de água para jusante, sobre um tapete acastanhado composto pelas várias espécies caducifólias que ladeiam o percurso. Para além dos amieiros, acompanham-me castanheiros, carvalhos-negrais, plátanos-bastardos e um ou outro mostajeiro. Por baixo desta cobertura, o solo mantém-se algo enlameado, resultado das recentes chuvadas.

Vão-se ouvindo chapins na copa das árvores e sou surpreendido pelo chamamento de um Pica-pau-galego. De fundo, vai-se ouvindo um pisco aqui e ali. Muito comuns nesta altura. Também as duas espécies de trepadeiras se fazem evidenciar de forma audível, a Trepadeira-azul e a Trepadeira-comum.

Ao meu lado, o rio desliza suavemente, murmurando. Assusto um Corvo-marinho-de-faces-brancas que, prontamente, salta da água e voa em sentido contrário.

Vou olhando para o chão à procura de pormenores que despertassem a vontade de fotografar. Sinto um aroma forte e nauseabundo, que identifico de outras situações. É o cheiro de um fungo característico, o Phallus impudicus. Procuro, mas não encontro. Insisto. Um pouco à frente… não, deixo de o sentir. Volto atrás, aí está de novo o mau cheiro. Por fim, lá o encontro, semi-escondido nas ervas. Esbranquiçado, meio torto, nada fotogénico. Apenas atractivo para vários insectos do grupo das moscas. Ao mesmo tempo reparo em mais 3 exemplares muito próximos.

Continuo. Ouço passar um Guarda-rios. Por qualquer razão olho para cima, para o céu azul disponível entre as copas das árvores quase nuas. O meu olhar incide imediatamente na silhueta silenciosa de um Milhafre-real que passava naquele momento.

Pontualmente, vou descobrindo outros cogumelos na berma do caminho, embora não tão exuberantes ou chamativos.

Também, por vezes, surgem vestígios da actividade dos javalis. Áreas de terra revolvida durante a noite anterior, enquanto procuravam por alimento, certamente.

Atraem-me os pequenos muros de pedra de xisto, cobertos de musgo brilhante, umbigos de Vénus e líquenes. Mundos minúsculos e fascinantes.

A certa altura, desvio-me do percurso para descer até ao rio, ao longo de um caminho quase abandonado. Num pequeno prado verde, vejo um Saca-rabos fugir, como se flutuasse pela erva crescida, em direcção ao fundo do terreno, parando junto de um silvado. É seguido por um segundo indivíduo, que pára junto ao primeiro e ergue-se para me ver melhor e analisar a situação. Foi um par de segundos, enquanto os observava com os binóculos. De imediato saltam para o silvado e desaparecem.

Enquanto isso, nos carvalhos próximos, um grupo de Pegas-azuis, irrequietas, apreciava o momento.

Desço até um longo prado que acompanha a margem do rio. Aqui encontro muitos cogumelos do género Macrolepiota de grandes dimensões, dispersos por uma grande área. São tantos que me dou ao luxo de escolher o mais fotogénico para fotografar. Instintivamente, volto a erguer o olhar para o céu, agora numa zona mais ampla, no preciso momento em que passava um Abutre-preto. Fantástico! É extraordinário ver a maior ave de Portugal a sobrevoar-nos. Felizmente, censos recentes indicam que a espécie tem aumentado os seus efectivos reprodutores em Portugal, tendo o Sabugal um dos núcleos mais importantes.  

Este longo prado, mostra evidências de algum abandono, pois a vegetação arbustiva começa a ocupar o espaço que já não é pastoreado ou cultivado há algum tempo. Há também indícios de o caudal do rio ter “lavado” estes terrenos recentemente, uma consequência das fortes chuvas de Outono.

Depois de explorar este terreno durante algum tempo, vou adivinhando um caminho para regressar ao itinerário principal. Passo por um local com alguns pinheiros-bravos maduros. Junto à base de um deles, descubro um aglomerado compacto de cogumelos, crescendo tão juntos um dos outros que os seus chapéus alaranjados ficam deformados. Reparo ainda que o pinheiro em questão, já estava morto. A metade superior partiu e caiu. E encontra-se muito afectado pelas larvas dos insectos que se alimentam da celulose. Os cogumelos alaranjados aproveitam-se disso e vão crescendo pelo tronco acima.

Alcanço o percurso e inicio o regresso pelo mesmo traçado. Vou reparando em outras coisas que me tinham escapado. Nomeadamente, mais algumas espécies de cogumelos de tamanho diminuto.

Junto a um Mostajeiro, apanho um dos seus frutos do chão e provo-o. Estava bom. Uma drupa com um minúsculo caroço. Não é muito doce mas é agradável. Cuspo a semente, para ajudar à dispersão desta espécie rara no país. Embora aqui, no concelho do Sabugal, a espécie se encontre dispersa por todo o território, não chega a formar núcleos.

Surpreendentemente, vou vendo uma ou outra flor, e não de espécies tipicamente outonais, como a Soagem (Echium sp.) e a Quelidónia (Chelidonium majus). As temperaturas altas que se fizeram sentir em Outubro passado, terão alguma responsabilidade nesta floração fora de época.

Rapidamente chego ao final, já com uma fome tremenda e regresso rapidamente a casa, ainda a tempo do almoço.

Pequena Rota Meandros do Côa
Pequena Rota Meandros do Côa
Cladonia fimbriata
Líquen da espécie Cladonia fimbriata
Macrolepiota
Cogumelo do género Macrolepiota
Mostajeiro (Sorbus latifolia)
Mostajeiro (Sorbus latifolia)
Rio Côa
Rio Côa